Em uma das manhãs de debates seriados no meio do Cine PE, entre uma conversa cinematográfica e outra, Nayara (a melhor metade da curadoria) me parou e perguntou se eu estava bem. Sua inquietação se deu por perceber em minhas falas eu estar bravo. Igual Bruce Banner, respondi que sempre estive bravo, mas que agora eu estava me sentindo empoderado. O empoderamento veio do legado já construído e da minha ciência de que na edição 2023 eu consegui me dedicar tanto quanto gostaria à curadoria.
Vale explicar que, além de colega de trabalho, Nayara é minha amiga e sabe de muitos aspectos da minha vida, inclusive sabe que eu dou um boi para não entrar em uma briga e uma boiada para sair de um conflito. No entanto, minha postura nos debates e em outras conversas no decorrer do festival não parecia combinar com minha natureza pacífica. Usei a caixa de ressonância que me é oferecida anualmente para explicitar veementemente todos meus desgostos sobre política, cultura e tudo que perpassa esses dois campos. Um governo estadual caloteiro, uma lógica de editais elitistas, uma cloroquina histórica para tentar maquiar ditadura. Esbravejei mesmo.
A minha aparente incoerência interna é explicada pelo amor, a mais forte das magias, a melhor razão para ser devoto. E eu amo demais essa luta, a que quer minorar desigualdades, a que quer construir oportunidades de forma coletiva, a que quer viabilizar a criação artística.
Foi para esse norte que apontei meu barco. Com o acúmulo de experiência nesse cargo, procuro pelas formas como posso ser mais eficiente e pelos lugares onde não vale a pena gastar minha energia. Existem brigas e brigas. E teve uma bem boa que eu e Nayara conseguimos avançar: conquistar mais espaço para exibir filmes.
Nos últimos anos, o tema de uma mostra paralela era ventilado em reuniões entre curadoria e direção, mas não conseguíamos avançar. Faltava um formato mais sólido para esse passo. E foi apenas quando concebemos a Sessão Matinê, muito inspirada na tentativa de construir programas temáticos de curtas na mostra competitiva, que encontramos uma saída.
E que vitória saborosa foi a Sessão Matinê, minha gente! Depois de vários curtas que exaltam nosso amor ao cinema, a sessão se concluiu com o documentário Quem me quer?, sobre o Cine São Luiz, a Capela Sistina das salas de cinema. A saudade de ter sessões do Cine PE naquele palácio já é tocante, mas me perceber vendo o doc dentro de uma sala acolhedora, na companhia de dezenas de amantes do cinema, por causa de um plano no qual estive envolvido, foi emocionante demais. A ponto de uma leve sudorese ocular.
Tão importante quanto garantir espaço para mais filmes é saber com qual tipo de filme preenchê-lo. Desde 2018 fiz questão de ter filmes das cinco regiões na mostra de curtas. Neste ano, além disso, também focamos nosso olhar diverso na mostra local, com a esmagadora maioria dos curtas rodados no interior de Pernambuco. E o resultado foi maravilhoso, tanto de trazer os realizadores quanto de apresentar essa potência cinematográfica que a gente curte em outros festivais.
Para o futuro, quero seguir nesse mesmo caminho. Com a energia no lugar certo, deixo espaço para que o universo garanta o resto. Sejam as novas amizades que nascem no decorrer do festival, ou nos reencontros que rolaram — com graus variados de surpresa que só o largar-mão possibilita.