Em balanços como esse e na entrevista-live que dei ao crítico de cinema e amigo do peito Pablo Vilaça, costumo comparar minha experiência de curadoria do Cine PE com um Carnaval, no qual eu e minha parceiríssima Nayara Reynaud definimos a ordem das alegorias que desfilam pela avenida. Na edição de 2022, a comparação se deu por outro dos meus gostos: a Fórmula 1 — que eu gosto bastante apesar de abominar o culto ao carro, culpa das manhãs e madrugadas assistindo à corridas ao lado do meu pai.
Explico como a aproximação se deu na minha cabeça. Enquanto montávamos os programas de curtas a serem exibidos, eu e Nayara tomamos uma decisão arriscada: dedicar uma das sessões de curtas totalmente para filmes com pegada musical, tanto nas produções locais quanto nas nacionais. Na noite em que nossa ousadia se concretizaria, na van nos levava para o Cine São Luiz, os curadores ficamos muito apreensivos (com ânus em palma, para ser sincero) sobre como seria a recepção para nossa escolha de programação. Felizmente, não só correu tudo bem, como esse dia ficou marcado positivamente na lembrança de muitos dos presentes.
Na manhã seguinte, banhado de alívio, estava saindo dos debates com os realizadores dessas produções ritmadas pensando no que dizia o estrategista da Ferrari para seus pilotos na época em que a equipe dominava totalmente o campeonato. Era comum a vitória da escuderia estar garantida com voltas de antecipação, quando Jean Todt falava no rádio: “Tragam as meninas para casa”. Foi essa sensação que experimentei, mas estava enganado, como aquela mesma noite esfregaria na minha casa.
Depois de testemunharmos mais uma vez os vitrais do Cine São Luiz (sempre com o mesmo encanto), era hora de o Cine PE voltar para o Cine Teatro do Parque, que sediou a abertura do festival e foi nossa casa na edição de 2021. Infelizmente, o projetor não quis cooperar e foi impossível realizar a sessão do terceiro programa de curtas, acompanhados pelo longa Casa Izabel, que seria o grande vencedor.
Da minha perspectiva, essa tragédia começou a se descortinar quando estava preparado na recepção do hotel para me dirigir ao cinema. A equipe nos disse que haveria um atraso considerável e que seria aconselhável já jantarmos. Muitos minutos depois, com todos os esforços de reparo frustrados, o Cine PE teve sua primeira sessão adiada em mais de 25 anos de história — ou seja, a coisa foi grave.
Com isso, eu e Nayara ficamos pensando como seriam as próximas sessões, quais ajustes poderíamos fazer para encaixar todos os filmes em menos dias de projeção. Pensamos que teríamos de apelar para sessões vespertinas, como em 2021. É uma saída sacrificada duplamente, pois a presença do público diminui e a maratona de filmes torna-se mais extenuante para todos. Eram conjecturas vazias, pois não sabíamos se quer em qual cinema os próximos filmes seriam exibidos.
Ficamos aguardando na recepção do hotel junto com os convidados por bastante tempo, até que percebemos que não teria nada a ser definido da nossa parte, cabendo o papel de anfitriões. Bora para Mamede com todos os realizadores com fome de água, então!
Pouco depois de chegarmos à rua famosa por seus bares e formarmos uma mesa com mais de vinte assentos, soubemos que os diretores do festival e o projecionista estavam dando uma coletiva de imprensa para falar sobre o problema técnico que ocorrera. Felizmente o bravo Robledo Milani, do site Papo de Cinema, estava não apenas acompanhando tudo in loco, como transmitia ao vivo pela internet.
Esse foi um momento simbólico de como as engrenagens se encaixam com perfeição no Cine PE. Os diretores e a equipe davam os esclarecimentos necessários, apesar de toda angústia que carregavam no peito, daquelas que infartaria a maior parte das pessoas, mas não a pequena grande guerreira Sandra Bertini. Nayara acompanhava tudo em tempo real pelo celular em uma ponta da mesa do bar, passando para mim uns compilados do que estavam dizendo. E eu continuava no meu papel de puxador de quadrilha, com os convidados do festival aproveitando o que seria uma noite de folga.
Na manhã seguinte, no lugar dos debates que eu estaria mediando, foi realizada uma segunda coletiva de imprensa, agora para divulgar os acertos de programação que foram feitos pela direção. Os filmes seriam realocados nas próximas noites no Cinema do Porto, tornando o Cine PE 2022 uma edição itinerante sem sair do Recife. A noite de premiação estava cancelada, com os vencedores convidados para voltar ao evento em 2023 para receber seus troféus. Isso não é novidade para o festival: algo semelhante havia acontecido em 2021, por causa da pandemia que transformou a edição 2020 em virtual.
A solução desenhada pela organização foi sensacional, pois evitava as desvantagens das sessões vespertinas e ainda garantia mais celebrações para o próximo festival. Apenas perderíamos a emoção da noite de premiação. Felizmente, isso também foi remediado como foi possível. No dia seguinte ao final do festival, uma live foi colocada em pé com muita agilidade para que a glamorosa mestra de cerimônias Nínive Caldas anunciasse os ganhadores. No grupo de WhatsApp dos presentes no festival, a sensação foi de estarmos assistindo juntos. A celebração e congratulações se deram por mensagens de texto e áudio, mas no ano que vem elas serão reforçadas com abraços apertados, pelo menos de minha parte.
São os maiores obstáculos que escacaram para a gente nossa força e nossas alianças. Como diria Ernest Hemingway, quem está ao nosso lado na trincheira é mais importante do que a própria guerra. Com o que aconteceu no Cine PE 2022, saio com energia reabastecida e confiança alargada nesse time maravilhoso que Sandra construiu ao longo de décadas, do qual faço parte com orgulho desde a edição de 2018, e para o qual escalei mais uma craque na figura de Nayara.
Que esse ano, com ares renovados vindos do planalto central, o festival aconteça com a mesma quantidade de amor, mas com a esperança de que as coisas transcorram de maneira mais fácil. No entanto, se as dificuldades se apresentarem, sei que esse galeroso do Cine PE é valente, unido e competente.
Beijos e abraços esperançosos.